9.12.07

[um vira que virou um fado]

Acabou hoje o tratamento de corticosteróides para o possível surto de esclerose múltipla que pareço padecer..
Ainda não me sinto completamente recuperado, mas tudo indica que vou ultrapassar isto com sucesso.
Assim, devo continuar com o repouso que o neurologista considera prioritário.
2ª Feira tenho previsto voltar ao trabalho, mas já antecipei algumas pequenas excepções.. ontem foi dia de ir à escola.

Sim, com outros colegas de profissão, estivemos na escola de Caminha, num rico e sempre necessário diálogo com alunos acerca da nossa paixão - o teatro, claro.
Já hoje, sem agulhas e inchadíssimo tive direito a lanchar em Valença..
É com muita pena que não vou ao Nasoni daqui a pouco.. Há Chiquitita, finalmente!!.. Mas a saúde está primeiro, por isso vou dormir.
Não posso ir sem antes agradecer todo o apoio que tenho recebido. Sem esquecer nenhuma sms, chamada, comentários ao blog, ao hi5, e-mails, abraços, deixem-me partilhar com todos esta prenda.. Obrigado Ricardo!

O MENINO FADISTA
Passas discreto pelo granito dos corredores, levando a tua coragem, maquilhada de timidez.
És o que vai, pisando a pedra fria, insonoramente.
Lá fora chove, e metes no saco a dor dessa incompreensão, perplexo,enquanto te abraças com a gola, que puxas para cima.
O frio beija-te o cabelo, que se eriça, e o vento, morde-te a cara porfora e os ossos por dentro.
É uma borrasca e tu estás no meio dela.
Levas-te contigo no carro, ao levarem-te para casa. Deixas-te ir e fazes que estás; pensas e fazes que dormes.
Sobes a escada branca que dá para um novo corredor, branco e estéril. Cheira a isso e não a um branco que recordas de cá de fora. O branco é branco não por ser estéril mas porque existem um preto, um azul ou um cinzento que te servem de contraste. Aqui não há contraste. Aqui sabes onde estás, exactamente porque aqui não se quer estar. Cheira a isso, nas batas e nas sandálias ortopédicas; ortopédicas e não pés de horto: Pés de laranjeira, pés de lima ou pés de abacate, com folhas verdejadas pelo sol e "caminhinhos" de gravilha, para largos empedrados de jardim público. Pés de vida e não pés de cama. Não. Aqui não há contraste nem oposição, aqui só há desastre, contradição, pesar, resignação... E todo o pensar nas coisas, todo o realizar delas, todo o vão das coisas, como a tentativa de atribuir significação à estúpida e cruel manifestação da provável ausência total de um Deus justo e ubíquo (e que se escreve com maiúscula), é tolhido por zumbidos na espinha e calafrios nos ouvidos,que obliteram a visão, fazem os cheiros obtusos e amargam a vida na boca. Apenas os aquecedores conseguem disfarçar na pele, as cócegas geladas que faz, paciente e imortal, a ceifeira de preto do devir.
E tu, pequeno e dócil e bom e injusta e inexplicavelmente e revoltantemente e todo e simples e apenas e só, tu, que davas com o teu sorriso razões para existir à Primavera, senhora estação das esperanças, tu, menino gigante maior que tu mesmo, percorres as salas impessoais que contêm as mãos, as máquinas e as lâmpadas que te vão perscrutar despudoradamente, como quem te faz um favor.
Caminhas como sempre cortês, no meio do cortejo grotesco das enfermidades e elevas-te como sempre elegante, acima das cabeças pesadas dos maledicentes.
O teu olhar infantil continua vasto e profundo, como o abraço que tens para dar, e o teu mundo, tão próximo e inalcançável, mantém-se onde sempre esteve, ao virar da esquina do teu piscar de olhos, cúmplice e traquina.
És a encarnação viva de qualquer coisa acima dos horizontes mesquinhos e medíocres da maioria acotovelante. E como se a tua virtude fosse um pecado, a tua canção, que trauteavas como ninguém, virou um vira que virou um fado.
Mas não te preocupes... E não te deixes envolver pelo vácuo da redoma. Nem nunca te percas, nem por um segundo. Sê como sempre. Pois como um garoto fadista, por quem a vida não esperou para fazer adulto, de mãos nos bolsos das calças do fato escuro e lenço preto em volta do pescoço, cantarás entre guitarras do teu tamanho, tocadas por gente maior que tu. E a tua voz menina, trocará as palavras pesadas que te puserem aos ombros, pelas lágrimas extasiadas dos que assistirem maravilhados e incapazes de atingir com os seus actos, a tão plena e simples felicidade que tu, com o teu sorriso brincado e de frente para a adversidade, atingirás com as notas que cantares...
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4 comentários:

PhoenixOcean disse...

O inchasso é super natural com o tipo de tratamento que tas a fazer ou estavas, acho que se chama o efeito de lua cheia ou algo assim, mas passa e breve breve voltas ao teu normal Eu.

Bom regresso ao trabalho

o ricardo é realmente uma caixinha de surpresas.

Karl disse...

vai correr tudo bem!
as estrelas brilham sempre
:))

Daniel Rosa disse...

Pensava que o Laurent estava a brincar. Estas coisas normalmente não passam de um susto e são, sem dúvida, uma chamada de atenção, alguém a dizer-nos que temos que cuidar mais de nós.

És forte suficiente para tudo isto. E determinado. O rapazito que desde o 5º ano quis ser actor e olhem para ele. Nunca conheci ninguém tão determinado como tu. Ninguém que fosse atrás dos sonhos tão afincadamente como tu.

Vai correr tudo bem porque, como disse o karl, "as estrelas brilham sempre"!

Abraço grande e as melhoras.

Dudas

larasemsentido disse...

achas que alguem se vai dar ao trabalho de pegar numa lupa para conseguir ler o texto do Ricardo?
aumenta o tamanho da letra, porque o texto tá tão lindo que merece mais destaque e que todos o possam ler.
beijinhos