17.10.07

[disco rígido]

Hoje, por questões profissionais, vi-me obrigado a mergulhar no disco rígido do meu antigo computador..

Não resisti e, para além de todas as pastas referentes ao curso, aventurei-me por quase todas as outras que lá estavam..
Como se de um baú de recodações se tratasse dei, entre muitas outras coisinhas, com aquela que considero a mais bela carta de amor que alguma vez li..
Não, nem fui quem a escreveu, nem me foi sequer dirigida..
Recordo-me que a li há anos numa revista.. rasguei a página, trouxe-a para casa e copiei-a..
Hoje, ainda que o significado do seu conteúdo não me diga nada, pela beleza que o envolve, decidi-me a partilhar este texto convosco..

Há já muito tempo que não me perco na música dos teus dedos, o silêncio dos segredos que nem a nós mesmos contamos. Mas, ao ver o teu sorriso, pasmo e canto aquela cantiga bem antiga para nós. O fado que volta a acender o lume nas esquinas dos teus olhos. As lágrimas do teu sorriso são salgadas e revelam a tristeza que tentas esconder com olhos falsamente contentes.
Já te conheço há muito tempo. Ou, pelo menos, parece-me ter passado muito tempo. O amor acelera as horas. Agora, travado no tempo, fecho os olhos para me lembrar de ti e de nós, e os dias passam um pouco mais rápidos. Eles também com sede de ti e da água da tua língua. Sim, continuo a chamar por ti. Usando o teu nome grito, “Amor”, mas o amor não volta. Nem com memória nem com qualquer outra estória que a história de reis e rainhas nos queira contar.
Não sei para onde foste. Só sei que ao olhar para ti, para as fotos que tenho de ti, falta-me o ar. Chegam ideias, a paixão e o desejo, mas nenhuma palavra. Nenhum mapa que os meus dedos possam seguir até à tua pele. E os teus dedos, a tocar as notas no vento, a música do teu andar. Parece que danças no ar. Volta a vontade da verdade da tua pele. E desejo-te como se deseja um pêssego numa tarde de Verão. E quero-te como se quer ser rico, amado, desejado e querido. Apetece-me a tua voz rouca a arranhar os meus poemas que lês em voz alta, no teu quarto, em noites que não queres adormecer sozinho.
Não chegam as fotos que os momentos tiraram com os meus olhos. Preciso de ti. Preciso de ti porque o pôr-do-sol deixa-me sozinho com o nada do meu mundo sem ti. Preciso de ti porque sem ti não há dias. Nem sequer há horas, minutos, segundos. Não há tempo.
Estou preso no nada, e é tudo apenas o que deixou de ser. Pausam as nuvens e as rodas dos automóveis. Não há tinta para te desenhar em verbos e advérbios, adjectivos e superlativos que se prendem na garganta da caneta presa nos meus dedos. Esta mesma caneta que te procura na pele da página. Estes mesmos dedos que te procuram na pele de outros e de outras. Estes mesmos dedos que choram por ti e pelas lágrimas do teu sorriso. Aquele mar cheio de água salgada e saudade. E entre isto tudo, apesar disto tudo, entre o veludo de visitas e despedidas, memórias despidas do teu corpo nu, lá chegam meses, estações do ano, feriados. Passa-se um ano, 365 razões para encontrar amor nos braços de outra paixão.
Somos diferentes do amor inicial, somos pessoas por quem nunca nos apaixonámos. Mas quando passas por mim, leve como a brisa matinal, a madrugada é doce tal e qual a música dos teus dedos.
Não há medo do adeus, e o segredo do que fomos convida um sorriso que apenas serve para me lembrar ainda mais de ti. Por isso, envio-te um beijo pelas cantigas do vento, aquelas com letra escrita nos dias em que tu também sonhavas comigo. Volta em breve. Volta brevemente.

[Hugo dos Santos - outra carta de amor]