13.6.06


E ao ver esta lembro-me precisamente do último poema que escrevi..
Num cabaret chamado “Esquina”

O soalho gasto crepita como madeira ardendo.
O lume está nos pés da ingenuidade, que baila ao som de abafa-mágoas.
Eu, como mais um alienado, livro gargalhadas e, de para em par, rodopio nesta sala forrada de madeiras cansadas, pálidos dourados e veludos coçados, ambientada com profundo bafejo báquico.
Já mareadamente ébrio de tão arrebatada libertinagem – enquanto comuto a comparte de baila –

… entrevejo …

A música cáustica desmaia lentamente e a ingenuidade, comparte de baile, toma o ritmo deslustrado, mentes a luz se esfuma na negrura da minha miragem

… percebo…

vultos viúvos, pendidos sobre si, coroados de míseros trapos, abraçados de dantescas ratazanas – quinhoam com elas migalhas de pão ensopado de chuvas e orvalhos.

A cada passo que avanço o cenário infernaliza-se e já, quando dou o passo que abdicará do território dionisíaco, atemorizo-me ao encarar ferozes rostos, devorados pela amargura e por uma colossal ira que desmaia em olhares lacrimais e sedentos de comiseração.

Não consigo avançar.
O meu âmago apreende-me os músculos e canaliza-se angustiosamente em lágrimas, diamantes tão pesados e refinados, que escorrendo me rasgam as faces e, diluviosamente, perfuram o soalho – afogado, pode já não crepitar.

Sinto-me derreter, mas avanço.
E, num passo débil, caio, pouso sobre estes vultos – crianças inertes e cadavéricas velhas – que circundo ardentemente entre meus membros, enquanto derramo um brado que assombrosamente tornará estas almas em nada mais do que frio, dor, fumo e silêncio.

… e …

vendo nuvens negras de luto velozmente passando, chorei, por poder não detê-las.

… chorarei…


TIAGO FERNANDES, 20/07/2000
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